OUTRO MUNDO .

De: Felipe. Para: Guru

Uma carta do felipe Schmidt para o Guru. Apenas leiam.

"Caro Guru,

Ouvi recentemente seu novo projeto - Guru 8.0 Lost and Found -, e a audição me deixou traumatizado a ponto de escrever para você. Como pode, você, um dos caras mais respeitados na história do rap, render-se de forma tão fácil aos macetes da indústria? Confesso que ainda acho que é mentira o fato de ter ouvido sua voz num autotune. Justo você, que sempre atacou os emcees falsos e fracos, que fez parte de um dos melhores grupos do gênero.

Bom, eu tenho de admitir: tenho algumas restrições ao seu trabalho. Reconheço que escreveste grandes letras, mas nunca admirei sua levada. Também repudiei a forma como o Gangstarr acabou e como você se porta perante isso. Dizer que o grupo já atingiu o limite e você queria coisas novas? Achei um pouco de prepotência, até porque o Premier, para mim a verdadeira base do grupo, continua até hoje doido para retomar a dupla. Mas você não, faz pouco caso e prefere se juntar ao "super" produtor Solar. Bom, a carreira e as decisões são suas, assim como as consequencias. Ah, não me deixe esquecer: você é um nome importantíssimo, mas não é uma lenda do Hip Hop. Seu grupo era, e os genes lendários eram mais do Primo do que seus.

Para lembrar um pouco disso, queria propor um mergulho no trabalho no qual você chegou mais perto de ser uma lenda. Lembra de Moment of Truth, no longínquo 1998? Pois é, apesar dos discos anteriores terem sido mais falados, foi neste que você rimou melhor sobre os beats imaculados do Primo. Sua levada parecia mais ajustada, as sílabas fluíam melhor e as letras eram sensacionais. A forma como você misturou rimas de batalha com bragadoccio, histórias de rua e outras faixas mais filosóficas merece muitos elogios. Sua escrita também ficou mais rica, você abusou das rimas internas e isso teve um impacto bastante positivo.

"Moment of Truth" tem uma letra absurda, e eu gostei de como você rima como se estivesse falando diretamente com a juventude, passando conselhos. O conceito de "JFK 2 LAX", de você estar se defendendo de um tribunal, também foi muito bem executado, e de quebra tem uma clima motivador e uma das minhas frases preferidas: "Leia, estude, construa seu poder interior / o próximo nível não tolera covardes". "What I'm Here 4" também é ótima, com você voltando um pouco na sua história, explicando suas motivações para rimar. Ainda tem um monte de conceitos legais, como o storytelling de "Betrayal" ou a homenagem de "In Memory Of". Guru, neste álbum você realmente se superou.

E a produção do Premier? Cara, eu ainda não sei por que você não quis mais trabalhar com ele e chama o Solar de super produtor. Depois de já ter criado várias obras, o Primo fez de Moment of Truth um hábitat natural para emcees. Não à toa, vocês chamaram vários convidados para o disco, e todos eles brilharam intensamente - alguns até te ofuscaram. Pois bem, os beats são impecáveis! A capacidade do seu (ex) amigo de pegar samples mínimos e construir grandes batidas é sobre-humana. "You Know My Steez" é emblemática, né? Ele pegou pequenos pedaços e os orquestrou novamente para criar aquele loop insano.

"The Militia" é outra batida inexplicável. As caixas pesadas, o andamento reto, a linha de baixo pulsante e aquelas strings pontualíssimas foram um combo perfeito. O nome não poderia ser mais propício aqui no meu Rio de Janeiro, acho que se os caras ouvirem essa música, ela se torna hino deles, até porque parece mesmo música de guerra, música para se ouvir quando estiver puto da vida. Mas é legal como o Primo consegue equilibrar as coisas: para cada pancada, tem uma mais lenta, como "JFK 2 LAX" - aquele sample vocal é perfeito -, ou até puxando pro R&B, sem ser meloso, é claro, no caso de "Royalty", com uns pianos que me fazem viajar no tempo.

Enfim, cara. Moment of Truth, para mim, é exatamente o que o nome diz: o momento da verdade, quando você evoluiu seu jogo, pôde fazer justiça à produção do Premier, assumiu uma posição importante no rap e soube lidar com isso. Eu vejo o disco como o topo da montanha, depois de vocês escalarem durante anos: é uma celebração de maturidade musical, de reconhecimento. Talvez o tal auge do grupo a que você se referiu esteja neste álbum, mas acho que o desafio seria manter o nível, e não simplesmente desbandar.

Finalizo esta carta com a esperança de que esta volta ao tempo te ajude a repensar suas últimas escolhas e, principalmente, sua posição quanto ao Gangstarr. Seu lugar, cara, é junto do Premier, soltando conhecimento, e não fazendo música com autotunes, sobre batidas plastificadas. Talvez seja um problema financeiro, você esteja precisando ganhar algum dinheiro, por isso resolveu fazer isso. Em respeito a esta hipótese, não colocarei o link para download do álbum no meu blog.

Saudações do Brasil,
um fã de rap qualquer"


Ouvindo: Gang Starr - Above The Clouds (Produção de DJ Premier)

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